domingo, 28 de dezembro de 2008

Diário de bordo

Brasília, 22/12/08
A mãe trouxera as duas filhas para o aeroporto. Elas iriam passar as férias com o pai. A mais nova tinha 15 anos, a outra, 17. Trajavam toda aquela feiúra da adolescência, espinhas na cara, gordura generalizada, roupas escuras com o desenho do capeta e, claro, como boas adolescentes que eram, carregavam uma boneca da Hello Kitty.
Na hora de despedir, a mãe entrega determinada quantia de dinheiro para as meninas e com aperto no coração reza as instruções: não falem com estranhos. Usem o dinheiro só para as grandes necessidades. Fiquem uma do lado da outra. Liguem quando chegar. Dêem notícia todos os dias.
As meninas envergonhadas com tanto chamego de mãe, beijaram a senhora e embarcaram.
Estavam feitas! O vôo atrasara algumas boas horas e então tinham tempo de sobra para gastar o dinheiro com as grandes necessidades de adolescentes soltos no mundo. Longe dos olhos da mãe e da expectativa do pai, pegaram o dinheiro e foram ao free shop, gastaram alguns reais em acessórios cor-de-rosa-gliter para cabelo e em chocolate suíço. Chocolate que comeram com a boca e com os olhos ao mesmo tempo.
Enfeitaram seus cabelos e lambuzaram seus corpos desengonçados com algumas calorias. Feito isso, se entediaram. Gastaram duas fortunas em meia hora de internet, entraram no ORKUT da mãe e escreveram um recado que combinava perfeitamente bem com aquele avatar com rabinho de capetinha:


Mams, voxê ehhh lindhahhh. Ti amamus!


Contando as moedinhas, a mais nova (e mais feia) comprou algumas gramas de gotas de chocolate meio amargo. Depois embarcaram no avião, as duas marmanjas, chorando de dor de barriga.

terça-feira, 19 de junho de 2007

Coisa de menino

Esses dias subi no ônibus 8107. Final de tarde, ônibus lotado. Na espera de desocupar um lugar no “lado de lá da roleta” sentei naqueles acentos da frente. Do meu lado uma senhora, já de idade, que puxou um papo gostoso comigo.

O ônibus esvazia. Todo mundo desce num lugar só. Parecia até que foi combinado. Eu poderia ter passado pela roleta, mas quis ficar proseando com aquela senhora. Mais uma parada em um ponto, no centro da cidade, onde entraram no ônibus 4 meninos e uma menina, que aparentavam ter entre 13 e 15 anos. Não passaram para “o lado de lá da roleta”, embora já estivesse tudo desocupado.

A dona do meu lado ficou meio assustada com a agitação deles, mas logo eles aquietaram. Conversa vai, conversa vem, mais outra parada e os meninos descem do ônibus, rápidos feito um raio, sem pagar a passagem.

O motorista xinga uns bons palavrões. Ocobrador coloca a cabeça pra fora da janela e grita. Os meninos do lado de fora fazendo gracinha, apontando dedos e mostrando a língua.

A velhinha manifesta de forma singela sua indignação machista: “Cê viu? Tinha até uma menina...”

Dois pontos mais tarde eu atravesso a roleta pensativa: ser trombadinha deve mesmo ser coisa de menino.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Meio sem jeito

“Eu te amo”. Tais palavras se perdem de alguma forma entre lágrimas e um céu estrelado, entre um abraço, um beijo e um último suspiro. A próxima cena seria a separação de duas almas, talvez não gêmeas, mas que se amam. Se amam e se perdem ao mesmo tempo.
As mãos se soltam, abraços desfeitos, ainda lágrimas nos olhos. As almas trocam um olhar profundo, talvez o último. Olhos nos olhos e a mente desejando poder ficar ali para sempre, naquele beijo, naquele abraço, naquele céu... Mas de repente, uma das almas recebem um chamado e mesmo desejando ficar ali para sempre sabe que é a hora de partir. A vida a espera.

Agora, o abraço ainda mais apertado, a respiração mais profunda e as lágrimas ainda mais intensas representam o medo de se perder. “A hora é essa”, diz uma das almas, e lentamente tudo vai se desfazendo, mas as lágrimas parecem ser eternas. As almas viram em sentindos opostos e seguem seus caminhos, passo a passo. A vida os espera.

Se almas não sentissem, tudo acabaria ali, mas almas sentem e sofrem o que não deveriam sofrer. Almas sofrem as injustiças da vida. Almas sentem sufocar, arder e doer a saudade; almas amam intensamente. Mas é preciso viver, é preciso superar esta dor, é preciso ser forte.

Almas precisam entender o amor. É preciso entender que o amor foi feito para doer e não sentir dor; almas precisam entender que o amor é longe e perto, que o amor é contradição; almas precisam entender que o amor faz chorar. Amar faz as almas cegas e bobas; almas precisam entender que o amor foi feito para superar. É feito para se amar também, mas para amar e ser amado na medida certa.

Queria eu entender o amor, mas acho que já sofri demais. Almas são feitas para amar enquanto anjos dizem que o amor é assim mesmo... Meio sem jeito.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

A praça


As pessoas passam com seus passos apressados. Uns olham para o nada; o outro me parece preocupado. Um casal parece aproveitar o clímax da juventude: passeiam de mãos dadas, apreciando o vento fresco do entardecer.

É um vai-e-vem de certa forma agitado. Sons em abundância. Ouço pássaros, carros, crianças chorando, rindo e até mesmo fazendo birra. Coisas de criança... Coisas de adulto também, adultos de espécie mais mesquinha.
O sino da igrejinha toca. É o aviso para a grande celebração de fé. A mesma fé que ainda não tenho.
Na praça se celebra a vida e as pessoas passam sem perceber. Mas eu, sentada aqui neste banco frio, percebo a vida passar, mesmo quase sem viver.


Descrição de uma praça de algum lugar. Escrita no ano de 2002

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Abrindo a Janela

Quando pequena sonhava em ter uma casa com janelas grandes, com uma vista bonita. Uma janela que de alguma forma me traria inspiração. Queria mesmo era debruçar na sacada de meus pensamentos; ver a banda passar cantando coisas de amor... e todas as outras coisas que acontecem na janela.
Janela Aberta é um convite à um vôo pássaro. É uma figura de mim, debruçada sobre as coisas mágicas do cotidiano. Janela Aberta é a brisa suave da imaginação passando pela fresta de uma realidade sutil.